O Rio de Janeiro é, muito provavelmente, a cidade mais imprevisível do Brasil. Você pode se deparar com o dia mais quente da história ou com a maior chuva de todos os tempos, com o mais lindo pôr do sol – “em São Paulo não tem isso” – ou com um um homem sem pernas usando um cabo de vassoura pra dirigir um Uber. A experiência de vida do carioca é uma grande aventura onde você precisa aprender a abraçar o improvável e o inesperado, diversas vezes pro bem, algumas vezes também pro mal.

E isso também se traduz no futebol do Rio de Janeiro. São craques que surgem de onde menos se espera, lendas que nascem sem nenhum aviso, ídolos que fazem história quando você não imaginava que eles compusessem elenco. Zebras são criadas, grandes times fracassam onde pequenos triunfam, e entre duas SAFS milionárias e um time que repetia todo dia ser o atual campeão da Libertadores e da Recopa, quem acabou chegando até a final do estadual foi o humilde Nova Iguaçu, da Série D.

Um Gabigol infantil, uma diretoria amadora e uma punição bizarra

Um time cuja folha salarial completa está abaixo dos rendimentos mensais de diversos jogadores de Séria A e cujos atletas já foram flagrados usando transporte público para chegar em casa após os jogos, pois financeiramente estão muito mais próximos de trabalhadores como eu e você do que de astros do esporte. E diante do time de maior investimento do continente, da equipe favorita ao título da competição, nada mais carioca do que nascer daí o imprevisível, que brotar daí o inesperado, que bater aí o sol surpresa ou a chuva que ninguém previa, certo?

Essa narrativa, porém, se viu diante de um grande problema: ninguém, na face da terra, é menos carioca que Adenor Bacchi, o famoso Tite, um homem que veste camisa social no Maracanã sob o sol de 40 graus e muito possivelmente chegaria de calça jeans na praia do Leme.

Isso porque tivemos mais uma vez, na vitória de 3×0 sobre o Nova Iguaçu no primeiro jogo das finais do Carioca, um Flamengo brilhantemente previsível, no melhor sentido da palavra. A defesa? Seguiu permitindo que Rossi batesse recordes de tempo sem sofrer gols. O meio de campo? Dominado por de la Cruz, Pulgar e um brilhante Arrascaeta. O ataque? Pedro fez dois gols, teve um gol anulado pelo VAR e emitiu feromônios goleadores tão intensos que até o zagueiro adversário não resistiu e fez um gol contra.

Porque talvez seja esse o grande elemento que Tite trouxe para um Flamengo que viveu 2023 afundado no mais absoluto e puro caos: regularidade. Temos um time titular, que recebe alterações pontuais por questões físicas ou técnicas, sem mais situações do tipo “técnico tenta esconder escalação da imprensa e acaba escondendo também dos jogadores”. Temos jogadores cada vez mais próximos de suas melhores condições físicas e técnicas, sem ninguém brilhando num jogo e parecendo amador no seguinte. Temos finalmente um time que, se ainda não é brilhante, ao menos se tornou consistente.

Então ainda que o Carioca não esteja garantido – afinal, se trata de Rio de Janeiro – uma vitória como a deste sábado permite acreditar que essa pré-temporada chamada estadual foi bem utilizada, formando um time que parece capaz de enfrentar os verdadeiros desafios desse ano, como a Libertadores que começa na terça, o Brasileirão que se inicia em 15 dias, e a Copa do Brasil que está vindo por aí. E nada seria melhor do que poder viver, durante o resto de 2024, todas as poucas surpresas que um Flamengo previsivelmente vencedor nos pudesse oferecer. 

João Luis Jr. é jornalista, flamenguista desde criança e já viu desde Walter Minhoca e Anderson Pico até Adriano Imperador e Arrascaeta, com todas as alegrias e traumas correspondentes. Siga João Luis Jr no Medium.

Fonte: Mundo Rubronegro

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