Homofobia masculina, patriarcado e futebol

Nos últimos dias, algumas falas  de um conselheiro do Flamengo, em um grupo de sócios, repercutiram muito na Gávea e na imprensa.

Além das injúrias direcionadas contra um dos candidatos a presidência do Clube, e contra sócios e conselheiros, a indignação foi grande devido ao teor homofóbico e rapidamente repudiada por todos. Inclusive pelos candidatos adversários.

Ainda bem.

Mas o buraco é mais embaixo.

Porque a homofobia masculina persiste de forma tão sistemática no meio futebolístico?

MARION KAPLAN: As raízes do mal e o esporte como exemplo

Porque os coming out são tão raros no meio dos jogadores? Alguém realmente acha que atletas homossexuais são tão raros assim?

Porque as campanhas de conscientização sobre o tema são escassas nos clubes?

Porque os cantos homofóbicos persistem nas torcidas?

O racismo e até o machismo são muito mais combatidos. Por quê?

Analisando a questão do patriarcado, podemos provavelmente encontrar algumas pistas. Pois somos uma sociedade patriarcal, onde os homens são privilegiados, onde as mulheres são “apenas”  o segundo sexo, como bem disse a Simone de Beauvoir. Eles são os líderes, detém a autoridade moral, social, política e econômica.

Portanto ser homem significa ser poderoso, ser forte, ser viril.

E para a mulher, resta apenas a submissão.

Afinal ela é a penetrada. A possuída.

Ele é o dono. Domina.

Ela é a dominada.

Contudo, estamos em plena revolução paradigmática, onde o imaginário do patriarcado está sendo desconstruído e a heteronormalidade cada vez mais questionada. 

Não por acaso, estamos comemorando no mês de outubro o aniversário de 7 anos do movimento Me Too. Na ocasião, o todo poderoso da indústria do cinema americano, Harvey Weinstein, foi acusado por dezenas de mulheres de assédio e estupro, o que desencadeou uma onda de protestos, mundo afora, de mulheres demonstrando a prevalência generalizada da agressão sexual. Eu também fui abusada, eu também fui assediada, eu também fui estuprada. Eu também. Me too.

Mas o que isso tem a ver com a homofobia?

Tudo.

Se no patriarcado o homem é o todo poderoso, o macho que pode tudo, a mulher é a presa passiva e submissa. Portanto, qual maior injúria deferida de um homem para outro homem? Aquele que é penetrado, aquele que é submisso, a mulherzinha, o homossexual.

Ou seja, a homofobia nada mais é que uma vertente da misoginia. No patriarcado, héteros são másculos e desdenham das mulheres, seres inferiores e subjugados.

E homens homossexuais são vistos da mesma forma, só que com o agravante de ousarem contestar o patriarcado. Afinal são homens. Não podem ser penetrados. Não deveriam. É errado. Inaceitável. Intolerável.

Eis a razão pela qual se combate muito o racismo no futebol, o machismo cada vez mais, mas a homofobia raramente. Pois, se as mulheres contestam o patriarcado, os homossexuais contestam muito mais. Eles expõem algo considerado anormal para nossa sociedade que se vê estruturalmente heterossexual. 

Aceitar a homossexualidade,  em um meio tão predominantemente masculino como o futebol, significa que qualquer homem pode ser. Algo inconcebível para um ambiente onde homens não são  apenas grande maioria,  mas os códigos de condutas másculos sempre reiterados.

E voltamos à revolução paradigmática na desconstrução do patriarcado.

Somente ao rever esse conceito arcaico de um sexo dominando o outro, ativo/passivo,  soberano/submisso, poderemos nos libertar dos meios de opressão sistemática entre os gêneros.

Está mais do que na hora dos clubes de futebol, e o  Flamengo detentor de uma Nação de quase 50 milhões como protagonista, se posicionarem e construírem ações conjuntas contra a homofobia. Em prol dos homens e das mulheres.

A humanidade agradece…

Marion Konczyk Kaplan é conselheira do Clube de Regatas do Flamengo e presidente da Bancada Feminina do Conselho Deliberativo. Mestre em História pela Sorbonne Paris. Siga: @marionk72

Fonte: Mundo Rubronegro

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