Final única agendada há tempos. Flamengo voando baixo e encantando cronistas e torcedores de todo o continente. Sem sustos, passava da dupla gaúcha nas quartas e semifinais… A Nação, com sua demanda reprimida há 38 anos, se mobilizou para ir a Santiago do Chile e viver uma apoteose. “Rumo a Tóquio” de verdade… E não é que esse momento chegara mais cedo do que muitos, como eu, imaginavam?
Levante popular e até guerra civil no Chile não assustavam uma Nação que já comparava viver no Rio de Janeiro a ir para uma Santiago em ebulição e estado de sítio. O mais difícil havia acontecido: aquele time maravilhoso e aqueles atletas incríveis colocaram o Flamengo numa final de Libertadores. Perto disso, resolver uma guerra civil seria fácil. E havia tempo para isso!
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O tempo passou, e as notícias sobre Santiago do Chile pareciam nunca chegar ao Brasil como antes. Consumimos a crise chilena e rezamos por sua resolução, esquecendo nossos próprios problemas! Hahah, o Flamengo é um país!
A Conmebol, sempre indisposta a ajudar, viu-se sem saída e mudou a final de lugar, duas semanas antes das partidas: choros, loucura, frustração. Muitos que haviam vendido casa, carro, vida para ir a Santiago se sentiram traídos pelo destino e pela desorganização do continente.
Um estado geral de depressão tomou conta daqueles que não conseguiam mais vislumbrar uma ida à final da Libertadores. Lima tinha um hub aéreo, mas era quase impossível chegar por terra… Quase, pois nada é impossível para uma Nação que lotou dezenas de ônibus e passou quase uma semana para chegar à capital peruana.
Isso sem falar da loucura que foi a Nação praticamente convencer as companhias aéreas de que era melhor assumir o prejuízo e remarcar todo mundo do que lidar com a fúria de uma Nação. Lembro que meu irmão, Gustavo, passou seis horas no telefone para remarcar as quatro passagens, e como um passe de mágica, tudo foi resolvido. Até que eu e meu outro irmão, Fernando, embarcamos para uma jornada de 28 horas, passando por São Paulo, Rio duas vezes, Montevidéu, Santiago, Santa Cruz de la Sierra até chegar a Lima.
As histórias eram impressionantes! Relatos de paixão de uma gente que se dispôs a ir até Madrid para pegar uma conexão para Lima… Paixão de gente que não encontrava sentido em ver aquilo sozinho… Lindos vídeos de pais presenteando filhos, de filhos presenteando pais viralizavam, mostrando uma Nação que parecia à flor da pele, pronta para chorar até em comédia romântica. Marmanjos adocicados por aquela linda poesia em forma de time.
Antes da partida, o estado de embriaguez coletiva não nos permitia sequer enxergar que havia argentinos em Lima e não eram poucos. Que dirá pensar que havia um adversário? Mas lembra da classificação antecipada? Dos previsíveis amassos nos gaúchos? Quem viveu 2005 não era capaz de se permitir a nova rotina de ir ao sul do Brasil e amassar seus adversários!
Estava fácil demais para ser verdade… Havia de ser difícil. Havia de ser quase impossível. Havia de ser Flamengo…
O gol de Borré parecia parte de uma crônica de Nelson Rodrigues… Parte de um roteiro de quase frustração, sempre presente na história rubro-negra. Aliás, como disse João Guilherme, “nada é impossível”… Havia de ser Flamengo, e a camisa 10 precisaria estar em campo. E como vestia bem em Diego, que a honrou a cada sessão de fisioterapia e a cada respiro dado em campo.
Diego, outrora parecendo não compreender a responsabilidade que tinha ou não ser capaz de suportá-la, decidiu viver a saga de Zico. Uma saga de privações e exemplo dado. Uma saga de liderança pelo exemplo premiada com um lançamento que faria o mundo parar. 41 anos depois de Rondinelli, era vez de Gabigol completar a profecia e fazer daquilo, Flamengo!
Havia de ser assim. Havia de ser…Flamengo.
Victor Nicolau, o “Falso Nove”, é Analista de Desempenho certificado e formado pela CBF e outras instituições de ensino internacionais. Engenheiro Civil de formação, atua como executivo de compras há 10 anos. Siga Falso Nove no Twitter e inscreva-se em seu canal no YouTube.
Fonte: Mundo Rubronegro