“A primeira apropriação de propriedade privada é a apropriação do trabalho de mulheres como reprodutoras”
Gerda Lerner
Para se refletir sobre a misoginia estrutural e a violência contra as mulheres e promover mudanças, não basta expor as questões atuais. Nem mesmo, a história desta submissão forçada. É primordial tentar compreender o advento desta forma de dominação. O que significa voltar para o longíquo período neolítico. Pois, foi no surgimento da agricultura que tudo começou.
As primeiras sociedades eram matrilineares (se traçava o parentesco tendo a mãe como referência) e matrilocais (quando o casamento ocorria, o homem mudava para a casa da mulher). Eram tribos nômades que caçavam, pescavam e coletavam alimentos, se movimentando sempre atrás de melhores condições de vida.
Segundo a prestigiada Revista Nature, era uma época de igualdade de gênero, onde homens e mulheres tinham a mesma influência sobre as decisões dos grupos, onde todas e todos caçavam e coletavam, onde todas e todos cuidavam das crianças.
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Com a revolução agrícola ou revolução neolítica (que muitos atribuem às mulheres), começou o cultivo do solo. Ou seja, as tribos nômadas se tornaram sedentárias, e passaram a se apropriar de terras para suas plantações.
E foi com o advento da propriedade privada, resultante da revolução agrícola, que as mulheres passaram a ser também exploradas, da mesma forma que a terra era explorada. Pois a mão de obra para o cultivo e para a preservação das terras, era fundamental na sobrevivência do grupo.
A mulher passou então a ser vista principalmente como reprodutora, e seu ventre um recurso. As sociedades se tornaram patrilinear e patrilocal, e suas mulheres usadas e trocadas, e depois vendidas como reprodutoras e/ou escravas sexuais.
Quantos mais mulheres, maior a reprodução de pessoas e maior a capacidade dos grupos se organizarem e terem mais terras.
Ou seja a propriedade privada surge com a dominação dos homens sobre o corpo das mulheres, portanto com o nascimento do patriarcado.
Esse processo de dominação foi se consolidando e se legitimando ao longo da história através da religião, dos costumes e das leis. Mas não começou com o surgimento da humanidade. Aliás, é até recente. Se o homo sapiens tem 200.000 anos, a revolução agrícola, a propriedade privada e a opressão das mulheres tem “apenas” alguns milhares de anos.
É recente desde o aparecimento do homem moderno, mas uma eternidade para nós…
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Precisamos desconstruir essa construção histórica, que em nada surgiu como construção biológica ou como ponto a pé inicial da humanidade, como muitos afirmam.
Com o surgimento da propriedade privada nasceu a dominação do homem, enxergando a mulher também como sua propriedade.
Seu corpo, seu sexo, sua sexualidade, seu ventre. E desse poder hegemônico e opressor sobre essa “posse”, se justificam até hoje ao redor do mundo, mutilações das genitálias, estupros, casamentos forçados, tráfico, escravas sexuais.
Se justificam salários menores, assédios e importunações sexuais, injúrias e falas machistas, desvalorização e objetificação das mulheres…
Se somos mais civilizados que há 5000 anos atrás, porquê essas formas de opressão e dominação perduram? Evoluir significa acumular mais riquezas? Dominar as terras, os meios de produção? Erradicar povos e culturas? Subjugar as mulheres?
Evoluir significa ter mais poder sobre tudo, todos e todas? Será que estamos evoluindo? Será que não pegamos o caminho errado há 5000 anos atrás?
E será que dá ainda para corrigirmos a rota? E nos tornarmos uma humanidade que não esta preocupada em acumular, dominar e subjugar?
Tomara…
Marion Konczyk Kaplan é conselheira do Clube de Regatas do Flamengo e presidente da Bancada Feminina do Conselho Deliberativo. Mestre em História pela Sorbonne Paris. Siga: @marionk72
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Fonte: Mundo Rubronegro