O assunto da semana por aqui foi o reconhecimento da CBF desse torneio como um Brasileirão. Pouco sabia sobre e, com ajuda de colegas, fui atrás dos detalhes e aqui compartilho. Agradeço contribuições. Onde for opinião, indico.
Primeiro, fui tentar entender se os torneios de 1920, 1937 e 1982 eram de fato a mesma coisa ou se era só uma questão de terem o mesmo nome. Descobri que os três foram organizados por entidades, com o objetivos e em contextos diferentes.
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Em 1920, organizado pela CDB, ocorreu o “Campeonato Brasileiro de Clubes Campeões”, referenciado na imprensa da época também como Torneio dos Campeões, que contou com os campeões estaduais de SP, RJ e RS. O intuito da CDB era formar uma seleção para o Sul-americano daquele ano.
O Paulistano foi campeão, vencendo o Brasil de Pelotas e o Fluminense. A Seleção contou com o atacante Ismael Alvariza, da equipe gaúcha, no torneio continental. Foi titular nas 3 partidas do certame. Aparentemente, o futebol gaúcho já tinha relevância nacional na década de 20.
O torneio de 1937 foi organizado pela Federação Brasileira de Football (FBF), fundada em 33 pelas ligas APEA-SP e LCF-RJ (profissionais) e extinta em 41, graças a um decreto do Estado Novo que reconhecia apenas a CBD, fundada em 1914, como órgão regulador do futebol no Brasil.
Em 1982, houve o Torneio dos Campeões (CBF), disputado entre o fim do BR e o início da Copa do Mundo. Todos os clubes campeões/vice de torneios nacionais participaram. Campeão de 82, o Flamengo abriu mão do torneio para excursionar. O América entrou convidado e acabou campeão.
Dentre os três torneios, o de 82 foi o único em que era possível qualquer clube de qualquer estado participar e ser campeão.
OPINIÃO: tal fato eu considero bem relevante, porém não suficiente para qualquer tipo de equivalência com o Brasileirão.
O Bangu brincou com a discussão falando de 1967. Explica-se: foi a Copa Minas, torneio organizado pela FMF em formato de mata-mata com Atlético e Cruzeiro (campeão e vice de MG em 66), Bangu (campeão RJ) e Palmeiras (campeão SP). Ideia similar, mas outro torneio. 😂
Focando no torneio de 1937, tentei entender o número de jogos diferentes entre os clubes. Houve uma fase preliminar, em que o Rio Branco enfrentaria o vencedor de Aliança x Liga da Marinha por uma vaga no quadrangular final, que já contava com Flu, Atlético e Lusa. 🤔
O Aliança foi eliminado com um jogo só, e o time da Marinha com dois. Os capixabas jogaram 7, mais que todo resto. Eram menos relevantes que os demais? Então, fui buscar os motivos pelos quais os clubes listados participaram do certame.
No caso do Fluminense, o clube participou como campeão do RJ em 1936 (no torneio dissidente, o da LCF, que contava com Flamengo e América – o Vasco foi o campeão do torneio da FMD, que tinha o Botafogo).
Fundado em 1932, o Aliança era um clube de Campos e participou representando o antigo estado do RJ por ter sido o campeão campista. Essa ótima thread do @Ton_WellingtonB conta mais sobre o clube, que não migrou para o profissionalismo e acabou extinto poucos anos depois.
A Portuguesa participou como campeã paulista de 1936. Mas, naquele ano, houve dois campeonatos (ambos profissionais): o da LPF e o da APEA. Comparem os participantes de cada liga. A Lusa venceu o torneio destacado em vermelho. 🤷🏻♂️
Curioso que, em 1937, houve fusão entre as ligas e o novo Paulistão contou com ZERO participantes da antiga APEA. Nem mesmo a Portuguesa, selecionada para disputar o Torneio dos Campeões. 🤷🏻♂️
O Rio Branco era o campeão capixaba de 1936, o terceiro título de um hexa entre 34 e 39. Não encontrei muitas informações sobre o estadual, mas basicamente eram dois torneios (o da capital e o do Sul do estado) e a final foi entre os dois campeões: Rio Branco e Comercial.
Já a tal Liga da Marinha… Foi um mero convidado mesmo. Criada em 1915, era um departamento da força responsável pelas atividades físicas e desportivas. Desde 1973, passou a ser o CEFAN, local onde hoje ocorrem vários jogos da base e do futebol feminino no Rio.
Antes de falar do Atlético, um olhar nessa nota do Jornal do Brasil na época, após a goleada do Flu sobre os mineiros, válida pelo torneio. “Campeão de um torneio do qual se retiraram os concorrentes de expressão: América, Palestra (futuro Cruzeiro) e Vila Nova”. Como assim? 🤔
Antes do turno final, Palestra e América saíram a disputa. Eles cancelaram sua filiação à AMF e FBF para se juntar à CBD. Já o Vila abandonou por discordar do cancelamento de um de seus jogos. Todos os jogos dos 3 clubes foram cancelados e não considerados no campeonato.
No fim da história, anulando-se todos os jogos de América, Palestra e Vila Nova, restaram apenas na disputa do Mineirão 1936: Atlético, Siderúrgica e Retiro. Em 6 jogos válidos, o Atlético venceu 5, empatou 1 e foi campeão. 👏🏻
Há discussão também sobre como o torneio de 37 repercutiu na imprensa na época. Nas matérias publicadas no Twitter oficial do Atlético (ambas da Folha de Minas, em letras miúdas ali no cantinho), a alcunha dada ao clube é de campeão brasileiro, o que não deveria surpreender.
Mas se observarmos a imprensa carioca, Distrito Federal à época, a visão antes, durante e depois do torneio era diferente.
O que era denominado de “Campeonato Brasileiro” na época era o torneio de seleções estaduais, organizado em maioria pela CDB.
OPINIÃO: avaliando jornais de diversos estados, com e sem participantes no torneio, não havia consenso. Dá pra fazer um belo dossiê contra ou a favor.
Só um extra: ainda em 1937, depois da conquista, o Atlético voltou ao Rio para encontrar o Flamengo e voltou pra Minas com a bagagem cheia. 🤷🏻♂️
OPINIÕES:
Gustavo Duarte é autor do livro Deixou Chegar – A Copa Mercosul de 1999, que narra a trajetória de um dos mais improváveis títulos do Flamengo.
Fonte: Mundo Rubronegro